quarta-feira, 24 de abril de 2013

A Evolução dos Contos
Tornar-se difícil compreender a evolução e a transformação de um conto ou a sua persistência numa dada forma relativamente imutável, se ignorarmos os contextos sócio-históricos a que teve sucessivamente de se adaptar para sobreviver. Não poderá isolar-se a significação de um conto num determinado tempo e lugar. Só através de um estudo comparativo com as formas que esse mesmo conto assumiu noutros tempos e noutros lugares será possível desvendar os seus "segredos". A aproximação diacrónica descreve o como das transformações, a aproximação sincrónica elucida o seu porquê.

O Conto é veículo transmissor de conhecimento e de valores culturais, é uma "palavra" (parábola) cujo fio não deve ser cortado ao passar de geração para geração, sob pena de pôr em perigo a coesão social e a sobrevivência do grupo. O ouvinte ou o leitor encontram, nas personagens imaginárias que povoam a narrativa, personagens e situações bem reais com que se defrontam no seu dia-a-dia. É todo o universo social e familiar que aparece em cena, com os seus conflitos latentes e os fantasmas que os engendram.

O conto levanta questões com as quais todo o indivíduo se vê confrontado: rivalidade de gerações, integração dos mais novos no mundo adulto, tabu do incesto, antagonismo dos sexos. Lida com aspectos da vida social e do comportamento humano, com as etapas fundamentais da vida como o nascimento, o namoro, o casamento, a velhice e a morte, com episódios caracteristícos da vida da maior parte das pessoas. Do campo emocional fazem parte o amor e o ódio, a desconfiança, a alegria, a perseguição, a felicidade, a rivalidade, a amizade. Muitas vezes, o mesmo conto refere-se a estes fenómenos em pares contrastantes: o bem contra o mal, o êxito contra o fracasso, a benevolência contra a malevolência, a pobreza contra a riqueza, a fortuna contra a desgraça, a vitória contra a derrota, a modéstia contra a vaidade, ou seja, o branco contra o preto.

Os velhos contos de outrora nunca são gratuitos; fornecem uma explicação do mundo, são a expressão de terrores e esperanças muito profundos, são uma escola de sabedoria, um magma primordial em que cada povo foi depositando os seus medos, as suas angústias, os seus protestos, a sua crença num mundo melhor.

Poder-se-á reduzir o conto a um objecto unívoco? Não será, bem pelo contrário, profundamente aberto, equícoco, para lá da sua mobilidade no espaço e no tempo?

Basta olhá-lo (amá-lo) um pouco mais de perto para nos darmos conta de como cada olhar que sobre ele é pousado tende a constituí-lo num objecto diferente (tantos os objectos quantos os olhares). Como se a sua liberdade lhe viesse da possibilidade mitológica de mostrar sem cessar um novo rosto.



In  www.educ.fc.ul.pt

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